Será a segunda vez de Lula diante de Moro. Desta vez, o inquérito é relativo a propina que teria sido concedida pela Odebrecht na forma de um terreno de R$ 12 milhões
Nas duas cidades-chave da Lava-Jato — Curitiba e Brasília —, ocorrem hoje embates que farão parar a República. Judiciário e Política entrelaçados, na sede da Justiça Federal no Paraná e no plenário do Supremo Tribunal Federal. No centro dos holofotes, na capital paranaense, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz Sérgio Moro.
No Planalto Central, as atenções voltadas para os ministros da suprema corte brasileira e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Como parte interessada no caso, o chefe do Ministério Público, no outro lado da Praça dos Três Poderes, estará o presidente Michel Temer.
Será a segunda vez de Lula diante de Moro. Desta vez, o inquérito é relativo a propina que teria sido concedida pela Odebrecht na forma de um terreno de R$ 12 milhões para o Instituto Lula e de uma cobertura ao lado da que o ex-presidente mora em São Bernardo do Campo (SP).
O primeiro encontro entre os dois envolvia o inquérito sobre o tríplex do Guarujá. Nesse processo, o petista já foi condenado a nove anos e seis meses de prisão e aguarda o julgamento do recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Se a sentença for confirmada pela segunda instância, além de preso, Lula pode tornar-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
Em Brasília, um Janot a cinco dias de terminar seu mandato à frente da Procuradoria-Geral da República verá os ministros do STF decidirem se ele pode ou não permanecer à frente das investigações envolvendo o presidente. O procurador foi questionado pela defesa do peemedebista, que alegou a suspeição após o surgimento de novos áudios com os empresários da J&F. Por causa dessas gravações, Ricardo Saud e Joesley Batista tiveram as prisões temporárias decretadas.
Aliados esperam condenação
Quatro meses separam o primeiro depoimento de Lula a Moro do segundo, que acontecerá hoje à tarde. Muita coisa mudou desde então, inclusive o ânimo dos petistas. No primeiro embate, o ex-presidente fez questão de dizer que esperava, ansiosamente, para estar frente a frente com o magistrado paranaense para defender-se.
Falou o que queria, mas não escapou da condenação a quase 10 anos de prisão. E a sensação do cerco se fechando angustia Lula e os petistas. “Ele pode fazer o discurso político que quiser, e fará. Recorrerá aos tribunais jurídicos internacionais municiado pelo livro com pareceres de 120 juristas. Mas não há como apagar a condenação que já recebeu. O medo de ele ser preso é real”, lamentou um petista.
O deputado Afonso Florence (PT-BA), que já liderou a bancada e foi ministro do Desenvolvimento Agrário no primeiro governo de Dilma Rousseff, acusa Moro de querer reinventar o direito. Cita livros que mostram teses psicanalíticas e artísticas para mostrar técnicas que permitam demonstrar um fato apenas pelos indícios. “Mas o Direito não pode ser feito assim. Geddel (o ex-ministro Geddel Vieira Lima) tem digitais em notas da pilha de R$ 52 milhões encontradas em um apartamento em Salvador? E contra Lula, o que há? Dois pedalinhos no sítio de um amigo”, protestou.
O argumento pode estar bem embasado, mas não convence o próprio Florence quanto à mudança de perspectiva no final. “É claro que Lula será condenado.” A defesa do ex-presidente ainda tenta reverter a primeira condenação. Os advogados entregaram na última segunda-feira, no TRF-4, recurso contra a condenação do petista a nove anos e meio de prisão no caso do tríplex do Guarujá. Os advogados citam o que chamam de “Sete Erros de Moro” para pedir que Lula preste depoimento aos desembargadores da segunda instância e seja inocentado.
Entre os argumentos, o documento afirma que Moro não identificou, na sentença, qual foi o ato de ofício praticado por Lula para receber, em troca, o apartamento da construtora OAS. Para os advogados, a condenação foi fundamentada apenas em versões. A militância, contudo, está desanimada e a expectativa é de que a presença hoje em Curitiba seja bem menor do que a verificada no depoimento de maio, que, por sua vez, já havia ficado aquém do esperado. “É bom lembrar que a data do depoimento foi trocada de 3 para 10 de maio, o que provocou uma desmobilização dos militantes”, reforçou um dirigente.
A percepção da virada dos ventos é que, de fato, Lula deu sinal verde para que o nome do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad seja trabalhado como alternativa caso ele venha, de fato, a ser condenado e fique inelegível. Haddad foi escolhido por Lula para procurar o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, para negociar uma aproximação com parte do PSB pernambucano.
O único cuidado que Lula mantém é de sinalizar as cartas, mas não antecipar a jogada. Ele sabe, segundo um estrategista político, que, se confirmar que não será candidato, o PT e ele correm riscos. “Lula ainda aglutina boa parte dos votos do PT. Sem ele, esses votos vão para Jair Bolsonaro. E, mais importante que isso: Lula sabe que uma coisa é, prender um ex-presidente, e outra, colocar na cadeia o primeiro colocado nas pesquisas de opinião para presidente em 2018”, cravou o aliado.
O jornalista Francisco das Chagas Leite Filho, que edita o Café com Política, avalia que o ex-presidente Lula será preso pelo juiz Sergio Moro, em seu depoimento desta quarta-feira. Ontem, a defesa de Lula pediu sua absolvição apontando inconsistências na sentença. Será verdade ?
Defesa de FHC
Para a defesa do ex-presidente Lula, os depoimentos do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso e do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan dados à Justiça Federal do Distrito Federal ontem provam que ele é inocente da acusação de ter influenciado em medidas provisórias para ajudar a indústria automotiva. FHC disse, em seu depoimento, que os incentivos foram concedidos em 1999, durante a gestão tucana, e prorrogados nos governos Lula e Dilma.
Chance de ser salvo pelo prazo
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve escapar do pedido de suspeição apresentado pela defesa do presidente Michel Temer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Não que ele esteja fortalecido no posto ou conte com a simpatia do colegiado que analisará a questão na tarde de hoje. Mas porque, na análise dos ministros, seria um desgaste muito grande afastá-lo do caso cinco dias antes do término do mandato de Janot como chefe do Ministério Público Federal.
Isso não evitará, nas palavras de juristas que acompanham o caso, as críticas e ataques que serão desferidos por alguns ministros do STF, direcionados a Janot e ao instituto da delação premiada, sobretudo nos limites adotados no caso dos empresários da J&F. O primeiro questionamento contra Janot já foi apresentado pelo advogado de Temer, Antonio Claudio Mariz de Oliveira.
Em entrevista à imprensa, Janot admitiu que apresentaria novas denúncias contra o presidente e que a situação dele estava acima da de outros envolvidos na Lava-Jato, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Aliados do presidente viram nessas declarações um sinal de que a motivação do procurador era cassar Temer e não combater a corrupção.
O relator da Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, indeferiu o pedido. Mas o surgimento de novos áudios de conversas gravadas entre Joesley Batista e Ricardo Saud, indicando que eles haviam omitido provas e reforçando o envolvimento, de maneira suspeita, do ex-procurador Marcelo Miller no processo de delação da JBS, motivaram Antonio Mariz a apresentar um novo pedido de suspeição.
A expectativa é de que ministros como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandovski e Marco Aurélio Melo sejam duros na defesa de que há limites para as delações premiadas. E que não pode ser concedida ao Ministério Público Federal uma carta branca para negociar acordos dessa natureza. A justificativa é de que cabe ao plenário do Supremo a palavra final nos casos e que terá de investigar por envolver autoridades com foro privilegiado.
Ministros como o decano da Corte, Celso de Melo e, especialmente, Luís Roberto Barroso, defendem que os benefícios da delação só podem ser suspensos se os delatores não entregarem o que prometeram. E, ainda assim, as provas delas decorrentes não podem ser anuladas. Para os advogados de Temer, a delação da J&F é o exemplo do fruto da árvore podre: se a delação for considerada ilegal, todos os indícios e provas gerados a partir dela têm de perder a validade.
Janot afirmou que a estratégia dos criminosos que integram esquemas de corrupção é atacar os investigadores e pessoas envolvidas no combate dessas práticas. “As instituições estão funcionando. As reações também têm sido proporcionais. Como não há escusas pelos fatos descobertos que vieram à luz, tantos são os fatos e tão escancaradamente comprovados que a estratégia de defesa não pode ser outra senão tentar desconstituir e desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção”.
Briga com a PF
Não é apenas com o Supremo que Janot comprou briga, mas também com a Polícia Federal. O presidente da Associação dos Delegados da PF, Carlos Sobral, criticou a atuação centralizadora do Ministério Público Federal. “A defesa do monopólio é algo inconcebível dentro do modelo de Estado moderno. É algo ruim para o próprio MP”, atacou Sobral. Ele defende a criação de um órgão de controle externo ao MP. “O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não exerce esse papel porque todos seus integrantes são oriundos do próprio Ministério Público”, completou o presidente da ADPF.